segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Costas Largas


Já somos adultos, e o ar da vida adulta, espesso e denso, começa a pesar sobre nossos ombros. Não subimos mais escadas, nem levantamos mais a cabeça com a mesma facilidade. É tudo tão pesado. Viver tem sido tão pesado. E cansativo também. Viver é ser, e ser cansa.
Não, não há de ser o ar. Vejo crianças sapecas a subirem e descerem a escadaria da igreja, com sorrisos de quem não tem nada a saber. Estamos na mesma atmosfera, e o ar não parece lhes pesar em nada. É, não é o ar.
São nossas costas, nossos ombros. Só poder ser nossas costas e ombros. Funciona assim: nós crescemos, e eles crescem conosco. Maiores, entram em contato com mais ar, carregam mais ar de uma vez, e a vida parece nos pesar mais.
Deve ser por isso que existem tantos experientes em serem adultos a vagar por aí, com essa mesma expressão de quem já cansou de viver. São um bando de costas largas.

Provas de Amor


Eu não gosto de provas de amor.
E, pra mim, isso que você andam fazendo, de declarar o amor em voz alta em lugares públicos, comprar presentes caros, desistir de oportunidades importantes; isso não são provas de amor.
O amor é chama, já dizia Vinicius. Quanto maior o amor, maior a chama. Quanto mais intenso é o amor, mas intensa é a chama. E, qual é a prova da existência de uma chama?
Não se toca numa chama, não se pega uma chama, não se estica uma chama. Imagens também não provam a existência de uma chama, nem a potencia dela, porque muitas coisas reluzem e se assemelham.
Cinzas. A única prova da existência de uma chama são as cinzas que ela deixa quando já se foi. Quanto mais volumosas as cinzas, quanto maior o rastro de destruição que uma chama deixa parar trás, mais intensa e poderosa foi.
A única real prova de amor é o estrago que o amor deixa quando para de queimar. Eu não gosto de provas de amor.

A Casa que Envelhece


Eu vago pela casa como quem peregrina em meio à neblina. Passo em frente à janela aberta, por onde agora entra luz. Não que antes os dias fossem nublados, ou as cortinas fechadas; nada disso. É que antes a casa sorria, a casa ria, a casa gargalhava. E seus olhos, as janelas, brilhavam tanto, que não se percebia a luz do sol entrando. Era como se mais luz saísse do que entrasse, porque felicidade tem luz própria.
Por onde quer que você andasse, sempre na ponta dos pés, e com esse nariz empinado, flores brotavam do assoalho, e no piso de cerâmica, via-se nascer um musgo. A casa de esverdeava, e se aquecia, se refrescava e renascia a cada manhã.
Mas, você não voltou mais. E, as faxinas e arrumações freqüentes podem até manter a casa bonita, mas nunca tão aconchegante. Porque, o aconchego é a propensão à vida. Uma casa aconchegante é como um solo fértil pra se plantar o viver, a felicidade.
Não adianta fechar as portas, as janelas e as cortinas também. Porque, uma casa não é como uma caixa de isopor, que basta estar bem fechada para conservar o calor. Nada contem o calor da vida.
E eu, agora, sentado no sofá, tirando as minhas meias, revivo essas lembranças brandas. Lembranças amarelas. Lembranças à luz de uma vela. Gargalhadas, sussurros e suspiros que vacilam como vacila a chama no pavio. Como num porre, como num sonho. E doídas. Mas, eu sou obrigado a lembrar. Porque, para onde quer que eu olhe, vejo essas paredes opacas, que se confundem com a opacidade do meu pé ressecado e com fiapos de meia grudados.
Sem você a casa se emudece, se entristece e se grisalha. Se grisalha, e não se empalidece, não desbota e nem descasca. Sua pintura se grisalha, porque a perda de cor não é por ação do tempo, como no desbotar. Mas por ação de uma ausência cada vez maior de vida, como no viver.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Saudade

Eu nunca usei cocaína, mas tenho a impressão que o que eu sinto quando você não está perto é igual à abstinência de grandes viciados nessa droga. Porque eu já respirei, a você e ao seu cheiro, tanto e com tanto prazer, que a cada inspiração que faço longe de você sinto um ar pesado. Acho que isso é que é saudade de verdade: é a dor de respirar um ar carregado da ausência de quem se ama.

Texto em movimento


Eu já escrevi bem, já escrevi. Já fui de abrir uma veia sobre o papel, e o curso do meu sangue correr em letras e palavras e linhas e textos, em poesia ou prosa.
Já escrevi. Meus dedos em canetas, lápis e teclados já foram capazes de trazer ao mundo pensamentos nem a ciência traduz nem a imaginação materializa.
Eu já transcrevi. Já pintei quadros mentais em muitas cabeças sem uma gota de tinta, e com apenas minha mente como pincel.
Eu já fui um futuro escritor. Já cunhei o que pensava com a técnica e beleza que cabiam a minhas idéias.
Mas, hoje?! Hoje eu disserto tantas e múltiplas e opostas coisas em minha mente que nenhuma palavra é tão efêmera ou metafórica que possa expressar tão breve pensamento.
O mundo gira muito rápido aí fora. E eu não consigo escrever em movimento.

sábado, 30 de julho de 2011

Samba de um Samba





Eu queria fazer uma música
Que começasse se anunciando
Assim, com uns clarins
Uns metais gritando
Como quem diz: cheguei de vez
Porque, não sou homem de vir chegando

Depois, viria o teclado
Segurando um acorde bem cheio
Mas, ao mesmo tempo, dedilhando notas agudas
Como quem pula num rio, e, pra chegar no meio
Mergulha, vem à tona, e volta a emergir
E acaba por atravessar o rio inteiro.

Daí, entrariam um pandeiro e um violão
Os dois amigos, inseparáveis num samba
Faziam a base pro clarinete entrar
Como a camareira prepara a cama;
E entraria o clarinete malandro
Como chega o tão esperado bamba.

O clarinete traz o tema da música
Como se traz uma dama pela mão
Calmo, e perene, e cheio de jeito
Cheio de cavalheirismo, e até de resignação.
Faz o tema tão levemente
Que até parece um samba-canção

Mas, depois, dispara numa carreira louca
Recortando toda a melodia,
Como quando corre um gordo desajeitado
E leva um tombo que, de ver, arrepia
Ao tentar se levantar, escorrega, e cai de novo
E o faz tão inocentemente que não há quem não ria

Repete partes distantes da música
Como que de forma aleatória.
E o faz tão linda e livremente,
Repete tanto, e de maneira tão notória
Que, para garantirem que um dia acaba a música
Lhe fazem assinar nota promissória.

Quando finalmente a música está para acabar
O clarinete se retira assim, à francesa.
O sono do pandeiro o faz ralentar
E o violão desfere enfim seus acordes de presteza
Pra que a música acabe, sim, lenta
Mas, nunca com ar de tristeza,
Como deve terminar a vida, lenta porém feliz.
Porque a morte, apesar de ser indesejado juiz,
Sempre foi nossa única certeza

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Monumentos à Tristeza


A cidade, sonolenta,
se movia devagar
Casada de produzir,
cansada de trabalhar

As pessoas já não andavam,
se arrastavam pelas ruas
Todos na solene marcha,
via sacra às casas suas

Em meio a esse burbúrio,
houve um grande alarido
Um anúncio de algo novo
que atingiu a todo ouvido
Era com grande volume
Era com grande euforia
Que, aos quatro cantos da cidade,
o anunciante assim brandia:

- Venham, venham! Venham todos
Vejam como é ser coitado
No novo monumento à solidão
À tristeza e ao rejeitado

- É uma escultura, com certeza
Mas, não foi feita por Aleijadinho
O fato é que seu coração
Ele sim já não anda sozinho

- Ele ergue o rosto e suspira
Suspira e ergue o rosto
Engole seco, e faz cara feia
Como se ainda sentisse gosto

- Seu olhar parado no ar
É o que causa maior comoção
Em nenhum lugar do mundo
Jamais se viu tão formidável atração

- Venham, venham! Venham ver!
E saibam agora do que é mais triste:
É por culpa dessa atração
Que toda a tristeza nela reside!

Ninguém que saía do centro
deixou de ouvir a gritaria
Alguns foram conferir,
ver a estátua que nunca sorria


Porém, a maior parte das pessoas
Nem se interessou pelo monumento
Preferiram voltar pra casa,
pra sua tranqüilidade rasa
Ou para seu bairro agourento

A estátua ficou sozinha
quando acabou-se a claridade
pois, de todas as luzes do shopping
nenhuma se manteve acesa, por caridade

A estátua se moveu
Viva ou morta, tanto faz
Pois quem tem dos sentimentos
Só as dores e os tormentos
É porque não vive mais

terça-feira, 5 de abril de 2011

A Noiva do Mundo

Houve uma mulher
Que amava muito
E amava tanto
Que amava o mundo

Amava o dia
amava a noite
A melodia
E o som do açoite
Amava a dor
A alegria
O furor
A companhia

Amava tudo, e amava tanto
Que chorava amor
E amava seu pranto

Seu suor também era amor
E suava quando corria
Por toda a cidade em romaria
em seu vestido de noiva
A se casar com o mundo

O homem da padaria
Jurava que a conhecia
Antes da loucura
Antes do alarde
Diz que ela de manhã
Comprava pão francês
Croisant de queijo às três
Pra tomar café da tarde

A costureira diz que ela foi sempre assim
Sempre em sua loja, a comprar
Cortes brancos de cetim
Miçangas e lantejoulas xinfrim
Pra, com seu vestido de noiva sem fim
Com o mundo se casar

O vigia diz que se lembra dela
A mulher doida, da casa amarela
Sempre a cantarolar em sua janela
Uma marcha nupcial singela

Ela canta assim tão baixinho
Assim, tão calmamente
Pra não acordar o mundo que ama
Tão cansado de pegar no batente
Afinal, o mundo trabalha o dia inteiro
Fazendo a vida, a vida da gente
O mundo é um violino que toca
Sem erros, uma música permanente

Merece discansar, mundo trabalhador
É o que diz ela consigo
Canto apenas para ninar o seu sono
A musiqueta que ira tocar
Quanto te encontrar no altar
E, enfim, casares, de todo, comigo

Um dia, o dono da funerária
Amigo de infância da amante donzela
Foi convidado por ela
Para visitar sua casa

Ele foi com muita pressa
Pois não é sempre que uma amiga querida
Tida por muitos como doida varrida
Para sua casa lhe convida

Correu, correu, e chegou à casa
Porém, ter corrido não o a diantou de nada
Pois, quando à casa, adentrou
Viu a amiga que o convidou
Já sem vida, no chão deitada

Porém, teimosos como somos
Custamos sempre a acreditar no pior
Então, duvidou da morte o funerário
Quis porque quis acreditar no contrário
Que sua amiga apenas dormia

O arcênico não mão da morta
Delatou triste verdade ocorrida
Confirmou ao homem parado na porta
Que sua amiga jazia sem vida

Havia um papel preso na porta
A ultimo desejo da doida varrida
Ela queria ser enterrada
Com vestido de noiva que fiou em vida

O enterro foi um grande evento
Toda a gente da cidade reunida
Para dar adeus a louca noiva
Porque pensavam ser esta uma triste partida

Niguém entendeu o que acontecia
E mantiveram seu pranto profundo
Mal sabiam que naquela tarde fria
O sonho da mulher em real se fazia
A noiva se casava com o mundo

sábado, 26 de março de 2011

O Chapeleiro

Certo dia, o Chapeleiro Maluco me perguntou: Quem é você? Eu, iludido com a ideia de que alguma das perguntas dele pudesse realmente ter uma resposta tão simples, respondi inocentemente: Ora, sou Pedro Luan Balle Silva. Claro que não, ele logo me respondeu, Pedro Luan  Balle Silva é quem é carinhoso com a sua namorada, e, quem é hostil com os homens desconhecidos no metrô; Pedro Luan Balle Silva é quem correto na sua igreja, e quem é ladrão no carteado; Pedro Luan Balle Silva é uma pessoa que não existe na vida real, existe apenas, e diferentemente, nos olhos de cada um que o vê. Eu, confuso, então lhe perguntei, em tom debochado: E você, quem é? Ele, prontamente me respondeu, deixando claro todo seu discurso: Ora bolas, eu sou eu; mas, para você, sou um rapaz estranho, que usa chapéu e fala as coisas das quais sua mente doentia não tem coragem  de assumir a autoria.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Sonho em Sépia



Estávamos no parque. E as folhas mais precoces, anunciadoras do outono, já amarelavam. Seu reflexo em sépia inundava toda a paisagem. E, a vida parecia passar devagar.
As nuvens eram as únicas aceleradas. Se fecharam em tormenta num piscar de olhos. E, em muito mais tempo que isso, começaram a se precipitar as primeiras gotas prateadas de vida celeste. As gotas caiam em câmera lenta, mas nós não queríamos nos desviar delas. Era divertido vê-las aos poucos procurarem nossos corpos vestidos, e só no ultimo instante esquivarmos-nos delas.
Foi então que a primeira gota tocou o chão. E, quando isso aconteceu, subiu me um arrepio dos pés à nuca. Um arrepio de frio, de emoção, de magia. A partir daí, a chuva começou a seguir seu fluxo, sua velocidade normal. A gravidade voltou a funcionar.
Corremos o quanto pudemos, até algum lugar coberto. Mas, foi só ao avistar aquela assustadora aranha que me dei conta de que o sonho estava se acabando, se desfazendo aos poucos.
Sentei-me então, a lamentar o fim da minha fantasia, tremendo o frio que tanto dentro quanto fora do sonho me atingia. Quando você, meu calor, se postou ao meu lado, e me abraçou, como que me dando a chance de acabar bem. Recostei minha cabeça em seu ombro, e senti a maciez e o cheiro do meu travesseiro nele. No entanto, essa foi a parte mais real do meu sonho. Porque, apesar de seus ossos não serem macios como as plumas em que toda noite apoio meus sonhos, sei que é tão ou mais agradável se recostar neles, e sonhar nossos sonhos juntos. O amor torna tua carne macia, teu cheiro gostoso e tua vida aconchegante.

Texto de presente para Náthalie Louise, do blog http://justfeelsogood.wordpress.com/ , sobre um sonho que ela teve... aquela linda! ♥' hahahaha' 

terça-feira, 1 de março de 2011

Feijão / Coração

Eu me sinto no céu quando, voltando do trabalho, ao dobrar a esquina de casa, me deparo ao mesmo tempo com o sol da tardezinha que, quase sumindo atrás das casas no horizonte, a me ofuscar a visão, e com o o cheiro do feijão do meu amor. Eu amo meu amor, e amo o feijão que ela faz pra mim, porque é pra mim. Na minha opinião, se amor tem cheiro, é de feijão fresco.
Eu amo meu amor, amo o jeito como ela me ama com cuidado, sem deixar cair nenhuma migalha de sentimento. Ela me ama assim, com cuidado pra que o vento não sopre grãos de amor pra longe. Ela me ama com todo o amor que ela tem. E eu, de volta, a amo com todo o amor que eu sei dar.
E, a gente vive assim, se amando como se respira, o tempo todo, e sem perceber. E, quando eu faço algo que a magoa, ela varre pra debaixo do tapete. Meu amor é serviente, cautelosa e prestativa; uma doméstica do amor.
Alguns acham que ela é feia, outros acham que ela é bonita; eu acho que a amo, e pra mim, isso é suficiente.


Resposta a esse texto: http://justfeelsogood.wordpress.com/2011/03/15/coracaofeijao/
Só me surpreende essa coisa cheirosa *--*'

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Vivendo em vão.

Eu olho móveis decorativos e os quero. Vejo filhotes de gato e acho bonitos. Desejo atrizes de novela como se elas realmente existissem. Os encantos do mundo já me seduziram, e é por isso que eu não me revolto mais. Agora, a vida começou a ser boa comigo. Os prazeres da carne começaram a ser servidos na minha mesa, e eu já não consigo rejeitar.
Eu hoje vejo o mundo como ele se mostra pra mim, não tento mais ver além disso. Tenho medo do que me tornei, e dos progressos futuros dessa doença chamada contextualização. Eu sempre fui diferente, sempre pensei diferente, e sempre sofri por isso. Mas, sempre me senti especial por ver as coisas diferentemente das outras pessoas. Das pessoas corrompidas.
Meus erros são calculados, meu vício é mentolado, meus acessos e excessos são todos controlados. Minha vida não tem um rumo definido, mas segue sempre pro mesmo lado. Sou um ser humano normal que vê a vida em negativo, quase um cego pro ativo que faz mais que simplesmente pedir esmola. O pão da vida eu como seco, todos os caminhos vividos no fim dão num beco, de onde ninguém sai vivo.
Eu creio no que não entendo, e sigo fazendo o que tenho que fazer. Nada é assim, fácil como é lendo, na hora de acontecer. A realidade, e eu sou viciado nela, é a seqüência de acontecimentos que não te dão tempo pra pensar. Em uma hora, a água ta na canela, e de repente, você tem que nadar.
Sou uma pessoa normal agora, mas não quero mais. Quero voltar a sofrer com as injustiças, com as mentiras coletivas. Quero voltar a ser estranho, a pensar diferente. Quero que a vida volte a parecer não ser feita pra mim. E, que Deus me ajude!
Nossa, há três meses que eu não posto! Mas, foda-se. O blog é meu! HAHAHA'