domingo, 3 de junho de 2012

Êxtase


O banho revela um corpo marcado, arranhado, ensangüentado. É como se eu tivesse sido perseguido por uma fera horrenda, cujos olhos furta-cor refletem o brilho da lua, vertendo pelo caminho uma saliva vermelha, da cor do sangue de tantos outros devorados por sua sede de sofrimento e não a saciaram. Uma fera que, com as mesmas garras que abre caminho entre as árvores e plantas do bosque sombrio que lhe serve de esconderijo, campo de caça e palco de rituais. E a oferenda era eu.
Ao menos, seria o que eu declararia ao júri de um tribunal cheirando a crime e madeira velhos, em que eu precisasse de um álibi e uma justificativa para minhas escaras.
Ou, talvez não. Talvez eu preferisse ser condenado por todos os crimes do mundo, a ter que fui possuído pela fera, e não perseguido por ela. Negar que dela sofrera os mais deliciosos abusos. Negar que seus curtos dedos delicados de moça, como os dos gatos, escondiam garras capazes de rasgar o mais duro coração, mas que em mim se ocuparam apenas de marcar território. Uma fera que não tem nada de horrenda, e que cujo amor, com o suor de nossas camisas, vi se tornar em furor, depois descontrole, riso, choro, estase e por fim – literal e figurado – gozo.
Em meu corpo, tenho as chagas que, diferente das de Cristo, não provam a missão cumprida de trazer amor a todos, e sim a de trazer prazer a uma. Um quase-messias do éros, e não do ágape.
As marcas e arranhões todos compõem, juntos, uma partitura, tocada apenas por suspiros e gemidos, que se sucedem, se intercalam, fazem duetos e, em uníssono, soam o clímax, o gran-finalle, a evidência mater da natureza animalesca do homem: aos que ainda não entenderam, o sexo.