O banho revela um corpo marcado, arranhado, ensangüentado. É
como se eu tivesse sido perseguido por uma fera horrenda, cujos olhos furta-cor
refletem o brilho da lua, vertendo pelo caminho uma saliva vermelha, da cor do
sangue de tantos outros devorados por sua sede de sofrimento e não a saciaram.
Uma fera que, com as mesmas garras que abre caminho entre as árvores e plantas
do bosque sombrio que lhe serve de esconderijo, campo de caça e palco de
rituais. E a oferenda era eu.
Ao menos, seria o que eu declararia ao júri de um tribunal
cheirando a crime e madeira velhos, em que eu precisasse de um álibi e uma
justificativa para minhas escaras.
Ou, talvez não. Talvez eu preferisse ser condenado por todos
os crimes do mundo, a ter que fui possuído pela fera, e não perseguido por ela.
Negar que dela sofrera os mais deliciosos abusos. Negar que seus curtos dedos
delicados de moça, como os dos gatos, escondiam garras capazes de rasgar o mais
duro coração, mas que em mim se ocuparam apenas de marcar território. Uma fera
que não tem nada de horrenda, e que cujo amor, com o suor de nossas camisas, vi
se tornar em furor, depois descontrole, riso, choro, estase e por fim – literal
e figurado – gozo.
Em meu corpo, tenho as chagas que, diferente das de Cristo,
não provam a missão cumprida de trazer amor a todos, e sim a de trazer prazer a
uma. Um quase-messias do éros, e não do ágape.
As marcas e arranhões todos compõem, juntos, uma partitura,
tocada apenas por suspiros e gemidos, que se sucedem, se intercalam, fazem
duetos e, em uníssono, soam o clímax, o gran-finalle, a evidência mater da
natureza animalesca do homem: aos que ainda não entenderam, o sexo.