Eu vago pela casa como quem peregrina em meio à neblina.
Passo em frente à janela aberta, por onde agora entra luz. Não que antes os
dias fossem nublados, ou as cortinas fechadas; nada disso. É que antes a casa
sorria, a casa ria, a casa gargalhava. E seus olhos, as janelas, brilhavam
tanto, que não se percebia a luz do sol entrando. Era como se mais luz saísse
do que entrasse, porque felicidade tem luz própria.
Por onde quer que você andasse, sempre na ponta dos pés, e
com esse nariz empinado, flores brotavam do assoalho, e no piso de cerâmica,
via-se nascer um musgo. A casa de esverdeava, e se aquecia, se refrescava e
renascia a cada manhã.
Mas, você não voltou mais. E, as faxinas e arrumações
freqüentes podem até manter a casa bonita, mas nunca tão aconchegante. Porque,
o aconchego é a propensão à vida. Uma casa aconchegante é como um solo fértil
pra se plantar o viver, a felicidade.
Não adianta fechar as portas, as janelas e as cortinas
também. Porque, uma casa não é como uma caixa de isopor, que basta estar bem
fechada para conservar o calor. Nada contem o calor da vida.
E eu, agora, sentado no sofá, tirando as minhas meias,
revivo essas lembranças brandas. Lembranças amarelas. Lembranças à luz de uma
vela. Gargalhadas, sussurros e suspiros que vacilam como vacila a chama no
pavio. Como num porre, como num sonho. E doídas. Mas, eu sou obrigado a
lembrar. Porque, para onde quer que eu olhe, vejo essas paredes opacas, que se
confundem com a opacidade do meu pé ressecado e com fiapos de meia grudados.
Sem você a casa se emudece, se entristece e se grisalha. Se
grisalha, e não se empalidece, não desbota e nem descasca. Sua pintura se
grisalha, porque a perda de cor não é por ação do tempo, como no desbotar. Mas
por ação de uma ausência cada vez maior de vida, como no viver.