Eu queria fazer uma música
Que começasse se anunciando
Assim, com uns clarins
Uns metais gritando
Como quem diz: cheguei de vez
Porque, não sou homem de vir
chegando
Depois, viria o teclado
Segurando um acorde bem cheio
Mas, ao mesmo tempo, dedilhando notas
agudas
Como quem pula num rio, e, pra
chegar no meio
Mergulha, vem à tona, e volta a
emergir
E acaba por atravessar o rio
inteiro.
Daí, entrariam um pandeiro e um
violão
Os dois amigos, inseparáveis num
samba
Faziam a base pro clarinete entrar
Como a camareira prepara a cama;
E entraria o clarinete malandro
Como chega o tão esperado bamba.
O clarinete traz o tema da música
Como se traz uma dama pela mão
Calmo, e perene, e cheio de jeito
Cheio de cavalheirismo, e até de
resignação.
Faz o tema tão levemente
Que até parece um samba-canção
Mas, depois, dispara numa carreira
louca
Recortando toda a melodia,
Como quando corre um gordo
desajeitado
E leva um tombo que, de ver, arrepia
Ao tentar se levantar, escorrega, e
cai de novo
E o faz tão inocentemente que não há
quem não ria
Repete partes distantes da música
Como que de forma aleatória.
E o faz tão linda e livremente,
Repete tanto, e de maneira tão
notória
Que, para garantirem que um dia
acaba a música
Lhe fazem assinar nota promissória.
Quando finalmente a música está para
acabar
O clarinete se retira assim, à
francesa.
O sono do pandeiro o faz ralentar
E o violão desfere enfim seus
acordes de presteza
Pra que a música acabe, sim, lenta
Mas, nunca com ar de tristeza,
Como deve terminar a vida, lenta porém
feliz.
Porque a morte, apesar de ser
indesejado juiz,
Sempre foi nossa única certeza
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