sexta-feira, 26 de março de 2010

Visões.



Amo-te tanto, que quase te traio; mas, com seus heterônimos. Prismas diferentes pelos quais vejo outros vocês. Vocês que imagino cantando em outros tons. Vocês que sonho me amando com outros calores.

Quando te vejo, na penumbra da madrugada fria, se vestindo para ir trabalhar, te imagino ladra. Porque entras sorrateiramente em minha cama, na calada da noite; me assalta suspiros de amor, me furta os prazeres lascivos, e sai pela porta numa brisa, levando meus tesouros consigo. Aí então, amo essa ladra sorrateiramente, como quem ama em segredo alguém que o traiu, ou que o fez algum mal.
E, quando, ao te ver descendo as escadas, contemplo tua beleza quase dolorosa, vestida para irmos ao dancing, te vejo uma condessa, em todo seu esplendor. Quase me curvo, então, quando o reflexo do lustre em tuas faces coradas me traz a luz de uma beleza inimaginável a olhos camponeses como os meus. E, nesse singular momento, te amo de longe, como quem ama uma jóia a qual sabe que nunca poderá tocar, como quem ama uma rainha que nunca saberá que ele existe, como amo você, ao descer as escadas.
Vendo-te assim, de costas, vestindo o avental cor-de-rosa que a vizinha esqueceu em casa, e cantarolando “...these foolish things remind me of you” ao fazer panquecas, te desejo infinitamente a pronta vista. Mas, não te amo como minha mulher, e sim como minha empregada. Calma e submissa como a vassala que és agora, te amo como se fosse a sua obrigação deixar ser amada. Como se fosse o único motivo de estares na minha vida. Como se fosse esse o trabalho que exerces em minha casa, em troca de poder me amar de volta.
Oh, visão luxuriosa, quando te contemplo nua em pêlo, inteira molhada, a olhar para cima e espremer o xampu do cabelo. Nesse momento, és mais que minha parceira sexual, és minha musa. A musa inspiradora dessa poesia romancista que é a minha vida, que nem mais é só minha vida, mas nossa vida. Poesia essa que é escrita com o suor de nossa voluptuosidade noturna. Aí então, te amo com o calor que evaporaria toda essa água, e só não queimaria sua pele morena, preparada pelo Sol para o meu amor, sempre repentino.
Te vendo assim, de outras formas, me obrigo a te amar em outros níveis, em outros aspectos. És o ser completo da minha vida, outrora amarga, e agora, aurora. E assim, vivo. Vivo de te trair contigo mesma, porque te amo de todos os ângulos.